Diário de viagem
A primeira investigação foi feita em maio de 2020. Nesta oportunidade, 60% dos entrevistados (sendo que 27% eram membros do Top Management e 22% do Middle Management) declarou que seus líderes estavam preparados para enfrentar a nova modalidade de trabalho, sendo que 85% apontou que acreditava que a cultura organizacional seria impactada. 66% considerava não saber quais seriam as mudanças de comportamento que teriam seus colaboradores, enquanto que 72% afirmava não saber como poderia impactar no comportamento de seus clientes. Ou seja, estavam com habilidades preparadas, mas sem a certeza nem o entendimento do impacto que isto poderia trazer na conjuntura, nem em nosso principal aliado de crescimento, nossos colaboradores, fornecedores e clientes.
Diante do contexto de manter-se vivo nas “ilhas” em um oceano que se mostrava hostil, nesta entrevista 67% dos entrevistados respondeu que a habilidade mais importante para afrontar a nova realidade seria a criatividade (os executivos precisam dela como nunca).
Para poder adaptar-se novamente a este ambiente, a maioria se empenhou em gerar novos produtos e serviços para dar uma resposta imediata que permitisse manter o barco navegando, mas criando ao mesmo tempo canais de comunicação para se aproximar de seus clientes e entender como estavam sendo impactados pela pandemia e medir a atmosfera do momento com a maior quantidade de informação possível.
Sobreviver na ilha ou viver fora dela
Em agosto, a OLIVIA realizou a segunda investigação com foco em cultura organizacional para ver como se encontravam três meses depois da primeira entrevista. 63% considerava que a pandemia aceleraria a transformação e 33% que modificava o rumo da mesma, enquanto 53% assegurava que a cultura estav alinhada e só precisaria ser reforçada. Isto é interessante, porque é difícil pensar em uma cultura alinhada quando (devido às respostas do mês de maio) ainda era impossível determinar o impacto que esta situação pode ter não somente nos colaboradores e clientes, como também nas famílias e indivíduos como parte núcleo do corpo social ou em termos foucaultianos, a configuração dos novos parâmetros em conflito que decodificam a Nova Ordem. Haviam conseguido organizar-se com outros náufragos, utilizando muitas das técnicas de sua vida anterior, mas sabendo que o mar aberto iria trazer consigo novos desafios para os que não tinham respostas.
Naturalmente, é lógico pensar que continuará sendo difícil por um tempo determinar realmente qual pode ser o impacto nas sociedades, quais as novas lógicas de classificação que formarão as bases para o entendimento do mundo depois do naufrágio. É por isso, que é importante aproximar-se do problema com a consciência plena de que estamos em transformação e que em momentos de incertezas tão grandes, é mais importante certificar-se de saber quais são as perguntas adequadas.
Embora em agosto 73% dos entrevistados considerava que conseguiram liderar produtivamente suas equipes de forma remota, quando pomos o foco nos principais aspectos a desenvolver e os principais desafios que as organizações têm pela frente, 68% não pensou duas vezes em marcar a liderança de equipes virtuais como o principal aspecto para ser desenvolvido. Por outro lado, 66% destacou o desafio de desenvolver novas habilidades e comportamentos no mesmo segmento da organização. Quando nos aprofundamos nas principais dificuldades das pessoas neste novo contexto, 58% ressaltava a aprendizagem de habilidades para administrar equipes remotas e 57% o conseguir o engagement da equipe.
Também podemos ver como começava a criar-se uma consciência de que a nova realidade não era passageira e que era necessário mudar a maneira com a qual trabalharam e colaboravam, conseguindo gerar um novo equilíbrio e sistemas de trabalho, que permitam dar sustentabilidade ao que está chegando, com o olhar direcionado para a liderança como ator principal e catalisadora das mudanças da organização. Pondo os líderes como um intermediário entre negócio, cultura e equipes, em um contexto onde a realidade passou a ser mais que nunca hibridizada com o mundo digital.
Podemos dizer que o papel do líder mudou para sempre. O capitão já não pode liderar através da segurança de sua cabine e sim, terá que assumir o papel do vigia. Aquele que pode ver adiante com seus próprios olhos, para a partir dessa experiência orientar a tripulação a gerar ações que consigam mitigar os perigos de um mar tão agitado, aquele que consiga ser um habilitador do trabalho do resto, um estrategista que olha a organização do alto, que pode apontar o que está sendo desatendido, enquanto vê o modo de agir de todos os colaboradores e pode distinguir em que cada um é bom, para poder levar todos ao continente transformados em pessoas aptas para recodificar o novo mundo.
É o momento dos líderes conversarem com seu Wilson para poder ter um olhar crítico com capacidade de resposta ao interior da organização que dê lugar ao olhar, talvez inovador e incômodo, de qualquer um dos membros da equipe.
O novo líder destaca-se por sua capacidade de viagens que potencializam os resultados dos integrantes de sua equipe e de gerar ambientes de cooperação e sinergia com outros dentro e fora da organização. Diante de um mundo cada vez mais dinâmico e complexo, com sociedades cada vez mais líquidas, é vital questionar as estruturas para criar novos modelos de liderança que possam dar resposta à necessidade de adaptação das empresas na mudança e a gestão da mesma. Sabemos que não conseguiremos construir um novo paradigma com Wilson. Temos que nos mover e sair cada um da ilha e organizarmos com outros náufragos para construir uma tripulação sólida, que entende que todos são importantes para conseguir passar da sobrevivência ao novo paradigma.
Como viajamos juntos?
Com relação à terceira etapa da pesquisa, com foco na inovação realizada em dezembro, é importante ressaltar um dado interessante. Embora mais da metade (64%) dos entrevistados tenha uma área específica para isso e 72% dos entrevistados respondeu que sua companhia tinha uma estratégia clara, 44% acha que a principal barreira para a inovação são os processos. Isto é interessante, porque 48% (as mesmas pessoas que responderam que a principal barreira são os processos) afirma que a inovação de sua empresa é Top-Down, mas ao mesmo tempo todos concordam que o foco de suas empresas será continuar apostando em novos produtos e serviços.
É possível falar de inovação quando hoje não há processos que habilitem a inovação Bottom-Up? É inovar o papel dos líderes? Quais são as implicações e um modelo Top Down nas organizações? Por que continuam focados em novos produtos e serviços, se ainda não conseguem compreender o impacto nos consumidores nem nos colaboradores? Continuamos ancorados no velho paradigma ou estamos construindo as bases do novo?
Um problema comum no modelo Top-Down é que salvo que a pessoa esteja no lugar mais alto da organização, é provável que muitos líderes não tenham a possibilidade de mudar os valores de toda a organização e inclusive nesse caso, muitas vezes é difícil mudar os valores dos empregados, portanto as transformações culturais frequentemente são complexas por falta de alinhamento entre o Top e o Middle Management e também a distância entre os tomadores de decisões e o resto da companhia.
Nesta oportunidade, 56% respondeu que o ingrediente principal para um mindset inovador não é a criatividade (como na primeira etapa da pesquisa) e sim a colaboração. Isso mostra que antes acreditavam que a criatividade era mais importante, porque não tinham ideias para o futuro. Mas agora, se dão conta que de nada serve se não há uma companhia que possa responder aos desafios de um mar cada vez mais complexo e que as grandes ideias, frequentemente, vêm de equipes de várias pessoas e não de mentes maestras.
Construir as bases para a sustentabilidade
As equipes acostumadas a caminhar em terra firme, de repente encontraram-se diante de um contexto que não compreendem, no qual suas ferramentas habituais já não funcionam. Não podemos pensar nem agir de formas uniformes dentro do contexto de múltiplas variáveis de impacto em nossas vidas pessoais e das organizações. Não há um plano, nem um objetivo e sim múltiplos. Os ciclos de crise quase diários, passam a ser a nova normalidade. Mas como dissemos ao princípio, a pandemia nos mostrou que não distingue entre reis e mendigos, que a estabilidade que sentíamos era isso, uma sensação e já não é suficiente para explicar o contexto.
É por isso que Jamais Casio, futurólogo e investigador do Institute for the Future, idealizou o BANI, uma nova forma de explicar as situações nas quais as organizações se veem imersas. BANI significa “Bem frágil, Ansioso, Não uniforme e Incompreensível” e é uma nova forma de aproximar nossas perguntas de maneira apropriada ao contexto.
Mas, o que fazer?
É importante entender que, para poder afrontar o mundo BANI é vital contar com uma estrutura suficientemente flexível para poder afrontar os problemas que se vêm. O próprio Casio considera que estamos em um contexto no que convergem a pandemia global, as crises políticas e os desastres climáticos. É por isso que os líderes com o pilar da cultura da organização diante de equipes que mudam com maior frequência, deverão recorrer à sua capacidade para gerar novas lógicas que inspirem suas equipes e assim poder mudar para lógicas sistêmicas, que imperam no mundo empresarial com empatia e escuta.
Na era da virtualidade pandêmica, temos vivido na própria pele a dificuldade da mudança e entendemos mais que nunca como nossa saúde mental e grupal depende de poder administrar um equilíbrio adequado da crescente demanda de ser multitasking. A nível laboral, a ausência da presencialidade nos demonstrou a importância da comunicação como elemento de poder (ou de impotência) na hora de administrar equipes altamente requisitadas. É por isso que o líder deve aprender a mudar de forma em prol do entorno, cada vez mais incerto.
Uma equipe eficaz será aquela que pode administrar as capacidades do grupo e utilizá-las para dar respostas às novas perguntas que o contexto gera, enquanto os líderes procuram novas perguntas além do horizonte da organização, em novos interlocutores que possam trazer novos olhares sobre o novo mapa que devemos traçar em conjunto.
O contexto exige novas capacidades e o líder, transformado hoje em guia, deverá coletivizar a incerteza atual garantindo a possibilidade de todos os membros de sua tripulação de colocar suas capacidades a serviço do barco. Não é mais o vigia e sim um líder claro, eficaz, um Wilson que conhece a si mesmo, seus companheiros (e seus Wilson 's) que deverá deixar fluir e utilizar a informação que garante sua posição estratégica a serviço da improvisação. Somente um líder que navegou na era do naufrágio de 2020 sabe o valor de uma equipe que funciona baseada na improvisação. Somente um líder que navegou na era do naufrágio 2020 sabe o valor de uma equipe que funciona baseada nessas fortalezas individuais e coletivas.